A Comissão Europeia, em 5 de setembro de 2025, iniciou formalmente o processo para reconhecer que a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) do Brasil possui nível de proteção “essencialmente equivalente” ao do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia.
Esse reconhecimento criará uma zona de transferência de dados pessoais sem barreiras adicionais entre Brasil e UE, com impacto em aproximadamente 670 milhões de indivíduos. Trata-se do maior acordo global de fluxo de dados já estabelecido.
Henna Virkkunen, vice-presidente executiva da Comissão Europeia para Soberania Tecnológica, Segurança e Democracia, destacou: “em tempos incertos, precisamos trabalhar mais próximos de nossos parceiros naturais. O Brasil é evidentemente um deles. Essa decisão mútua será um passo crucial para aproximar ainda mais nossas economias.”
Repercussão no Brasil
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) está na etapa final da análise técnica para emissão de sua própria decisão de adequação, que reconhecerá oficialmente a equivalência entre GDPR e LGPD. Após parecer jurídico, a proposta seguirá ao Conselho Diretor para deliberação final.
O presidente da ANPD, Waldemar Gonçalves, ressaltou que a harmonia jurídica na proteção de dados é estratégica para fortalecer relações comerciais com a UE, preservando direitos fundamentais dos titulares.
Marcos recentes da proteção de dados no Brasil
- 2022: a proteção de dados foi elevada a direito fundamental pela Emenda Constitucional nº 115.
- 2022: a ANPD conquistou autonomia administrativa, reforçando sua independência regulatória.
- 2024: edição da Resolução CD/ANPD nº 19/2024, que estabeleceu Cláusulas Contratuais Padrão (SCCs) obrigatórias para transferências internacionais de dados.
- 2025: prazo final para adequação às SCCs encerrou-se em 23 de agosto, exigindo que todas as empresas utilizem o mecanismo aprovado pela ANPD para transferir dados ao exterior.
Comparativo técnico: SCCs Brasil x SCCs União Europeia
As Cláusulas Contratuais Padrão (SCCs) são instrumentos contratuais pré-aprovados pelas autoridades de proteção de dados, que garantem a legalidade das transferências internacionais.
Abaixo, um comparativo dos principais pontos:
Elemento | SCCs da ANPD (Brasil) | SCCs da Comissão Europeia |
---|---|---|
Base legal | Resolução CD/ANPD nº 19/2024 | Regulamento (UE) 2016/679 (GDPR) + Decisão da Comissão 2021/914 |
Modelos disponíveis | Quatro modelos distintos: Controlador→Controlador, Controlador→Operador, Operador→Suboperador e Operador→Controlador | Estrutura modular (controlador/operador, incluindo cadeias de subcontratação) |
Idioma | Português (com tradução possível para operações internacionais) | Inglês e idiomas oficiais da UE |
Subcontratação (sub-processors) | Exige consentimento prévio e cláusula específica | Exige cláusula de notificação e possibilidade de objeção do controlador |
Direitos dos titulares | Ênfase em mecanismos de reclamação perante a ANPD | Ênfase em acesso direto a tribunais da UE |
Fiscalização | Supervisão da ANPD, com sanções administrativas graduais | Supervisão por autoridades de proteção de dados nacionais de cada Estado-Membro |
Multas e sanções | Até 2% do faturamento bruto no Brasil, limitadas a R$ 50 milhões por infração | Até 20 milhões de euros ou 4% do faturamento global anual |
Flexibilidade de adaptação | Foco em compatibilidade com empresas nacionais de diferentes portes | Estrutura mais rígida e padronizada, voltada a harmonizar os 27 Estados-Membros |
Em síntese, as SCCs brasileiras foram desenhadas para espelhar a lógica europeia, mas adaptadas ao contexto nacional. Enquanto a UE prioriza uniformidade, a ANPD buscou flexibilidade e simplicidade para empresas de médio e pequeno porte.
Impactos estratégicos da equivalência LGPD-GDPR
- Segurança jurídica: elimina a necessidade de autorizações adicionais para transferências de dados.
- Integração econômica: favorece o comércio bilateral, investimentos estrangeiros e serviços digitais.
- Cooperação internacional: fortalece a possibilidade de projetos conjuntos em pesquisa, saúde, segurança pública e tecnologia.
- Previsibilidade regulatória: empresas brasileiras terão regras compatíveis com o padrão europeu, simplificando operações globais.
Diferenças de penalidade: LGPD x GDPR
- LGPD: multas até 2% do faturamento bruto no Brasil, limitadas a R$ 50 milhões.
- GDPR: multas até 20 milhões de euros ou 4% do faturamento global, o que pode superar bilhões de reais.
Essa diferença reflete a proporcionalidade regulatória entre mercados distintos, mas ambos os regimes compartilham a intenção de desestimular infrações graves.
Conclusão
O reconhecimento mútuo entre LGPD e GDPR posiciona o Brasil como um dos principais parceiros internacionais da União Europeia em proteção de dados. O movimento consolida um bloco de confiança digital, ampliando a cooperação econômica e reforçando a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos.
Para empresas brasileiras, a adoção das SCCs da ANPD é hoje um passo indispensável não apenas para evitar sanções, mas também para integrar-se plenamente ao ecossistema global de dados, em condições de equivalência com a Europa.