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Com a publicação do regulamento de dosimetria das sanções, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados superou uma etapa fundamental da própria estruturação da autarquia, fechando o circuito normativo de fiscalização sobre os agentes de tratamento de dados. Como destaca o relator do regulamento na ANPD, Arthur Sabbat, em entrevista exclusiva ao portal Convergência Digital, o maior trabalho foi chegar a uma fórmula objetiva, limitando a discricionariedade da agência e dando a maior clareza possível aos agentes. 

“Claro que em regras de sanções e dosimetrias sempre terá espaço para discricionariedade. Mas tentamos fugir ao máximo, com aspectos mais objetivos possíveis, reduzindo a subjetividade e com parâmetros claros. Acredito que a norma ficou bastante clara, objetiva e racional. E acho muito difícil que alguém deixe de entender”, avalia Sabbat. 

A primeira diretoria da ANPD, porém, ainda tem muito trabalho pela frente. A Lei Geral de Proteção de Dados deixou 60 pontos para regulamentação e entre eles há questões muito importantes, justamente os próximos alvos da Autoridade, como o tratamento de dados de crianças e adolescentes, regras para o encarregado de dados e a relação com o controlador, bem como a norma sobre transferências internacionais de dados. 

A seguir, os principais pontos da entrevista com Arthur Sabbat: 

CD – Qual foi o maior desafio na elaboração da norma sobre dosimetria de multas? 

Arthur Sabbat – Para a concepção da norma, um grupo de projeto que considerou um grande número de normativos de dosimetria e aplicação de sanções de várias agencias reguladoras, inclusive observando parâmetros internacionais. O grande desafio foi quantificar de modo racional, matemático, como seria a classificação das infrações de acordo com a gravidade da violação à LGPD, a posterior metodologia de determinação de multas, diante dos direitos fundamentais. Quando observamos atuação de outras agencias reguladoras, existem parâmetros facilmente quantificáveis. Em telecomunicações, por exemplo, uma empresa tem que cobrir 80% de determinada região, portanto de modo bastante palpável mensurar a gravidade da infração. 

Mas quando se trata de direito fundamental, o desafio é tornar, e isso foi o que tentamos fazer, deixar o mais objetivo possível. Por ser mais difícil de fugir dos critérios de discricionariedade. Quem vai aplicar, em principio a coordenação de fiscalização, precisava de regras mais exequíveis, facilmente mensuráveis, para poder aplicar e fugir das judicializações. Claro que em regras de sanções e dosimetrias sempre terá espaço para discricionariedade. Mas tentamos fugir ao máximo com aspectos mais objetivos possíveis, reduzindo a subjetividade e com parâmetros claros. Acredito que a norma ficou bastante clara, objetiva e racional. Acho muito difícil que alguém deixe de entender. 

CD – O regulamento permite descontos aos agentes multados. Por que? 

Arthur Sabbat – A Coordenação de Fiscalização é a primeira frente, que analisa todo o processo administrativo e associa a sanção, com todo o direito ao contraditório e devido processo. E há incentivos a que o ente regulado, uma vez que cometeu a infração e foi sancionado, no caso de multa simples, e se reconhecer que errou e abrir mão de recorrer, que ele receba essa benesse. Isso é importante, porque sempre que a ANPD aplicar sanção, será totalmente motivada, não é nada de supetão. Há todo um processo, com regras claras. Se chegar nesse ponto, é porque o ente realmente errou. Mas é importante que toda a sociedade compreenda que o que a ANPD quer, com a resolução do processo administrador e esse fechamento do circuito com a regra de dosimetria, é que haja um esforço evidente no sentido de que haja conformidade com a LGPD, tanto por agentes públicos ou privados, um esforço de adequação à norma. O esforço maior é educativo, orientativo, para que se adquira a conformidade. 

CD – Como garantir essa conformidade também do poder público, que não pode ser multado? 

Arthur Sabbat – Embora os órgãos públicos, por motivos legais, não possam ser multados, cabem as outras sanções. Portanto, não haverá dificuldades. O poder público trata dados porque precisa deles para prestação de serviços. E existem outros tipos de sanções, que não multa simples ou diária, mas que podem servir de forte incentivo ao poder público. Uma sanção de advertência já tem peso grande. Significa que agentes públicos vão ser interna corporis procurados para se explicar diante do controlador. Ou no caso de uma sanção de publicização, como fica a imagem do órgão? Portanto, embora não seja sanções pecuniárias, têm efeitos didáticos muito fortes para os órgãos públicos. 

CD – A ANPD informa que há oito processos na espera da dosimetria. Que casos são esses? 

Arthur Sabbat – A maioria dos processos que chegam aqui, e esses oito na fila não fogem à regra, resultaram de incidentes de segurança, resultaram de violações, ou de denúncias dos próprios titulares. Quando chegam nesse ponto é porque já são, de fato, processos sancionadores. Uma série de processos são abertos e fechados todas as semanas, a partir da avaliação. E pode ser que no decorrer do processo o agente tenha se explicado completamente, tenha justificativas aceitáveis ou de que o dano foi mínimo ou que foi completamente sanado. Diante disso, o processo é encerrado. Agora, quando o processo indica que o agente de tratamento não apresentou justificativas suficientes, foram superficiais ou não mostraram que danos foram adequadamente sanados e direitos dos titulares respeitados e restabelecidos, resulta na sanção. Quando chega nessa etapa é porque a Coordenação de Fiscalização entendeu que não há como encerrar o processo sem sanção.

CD – Superado o regulamento de dosimetria, quais os próximos da fila? 

Arthur Sabbat – Temos outros normativos bastante importantes que merecem muita atenção. É o caso da minuta da norma de transferência internacional de dados pessoais, que é desafio grande e terá muito impacto na relação das empresas nossas com empresas de outros países. Porque são regramentos específicos de como os dados devem ser tratados. Outra é a norma de comunicação de incidentes de dados pessoais, a partir do momento que tenham ciência. Essa norma vai trazer dois aspectos muito importantes que a ANPD pretende definir de forma que não haja dúvidas: o prazo de comunicação de incidentes – na UE é 72 horas, na AL vemos prazo de 5 a 15 dias, ou de 24 horas. Vamos ouvir a sociedade sobre isso. Além disso, a ANPD vai dizer o que é risco ou dano relevante, reduzindo a subjetividade. Algumas autoridades deixam para o próprio controlador definir isso. O problema é que isso fica muito subjetivo. Ele não comunica porque não achou tão importante, mas os titulares acham. 

Outra norma que merece muita atenção é a norma sobre o encarregado de dados, para definir perfil, potenciais conflitos de interesse no exercício da função, além de definir deveres do controlador para com o encarregado que indicou. O encarregado precisa ter capacidade de assessorar o controlador sem receio de fazê-lo. E teremos também uma grande atenção sobre normas como o posicionamento da ANPD sobre dados pessoais de crianças e adolescentes, que é algo muito importante. E ainda sobre o tratamento de dados pessoais por órgãos de pesquisa, o que deve ser consolidado em breve em um guia. E um assunto de grande relevância será o relatório de impacto, os parâmetros a serem observados nesse relatório que poderão vir a ser cobrados pela ANPD. 

CD – Para além das normas, o que falta para a estruturação da ANPD? 

Arthur Sabbat – Hoje estamos conseguindo fortalecer os quadros com servidores públicos requisitados. Mas temos o planejamento de um concurso público que deve ser formatado em breve para encaminhamento ao Ministério da Justiça e da Casa Civil. E também queremos idealizar um projeto de lei para aumento dos quadros da ANPD, mesmo independentemente de concurso público. A agenda regulatória tem 20 temas, mas a LGPD destinou 60 temas para a ANPD regulamentar. E temos outra frente imensa, de relacionamento institucional. E não apenas com os órgãos do Executivo, mas organizações da sociedade civil, estados, órgãos dos Três Poderes, em todas as esferas e níveis, além dos organismos internacionais que não podemos ficar fora.  

Fonte: Site Convergência Digital

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